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A Journey through the Desert

( First posted in Portuguese,  in March 2016) For Julia , The Princess with the Green Slippers 'Julia! Bernardo!&...

Wednesday 2 March 2016

Uma Viagem pelo Deserto

A minha mais recente história, escrita para a filha de uma colega. As instruções da miúda foram: «Quero uma história sobre um camelo que anda perdido no deserto.» Pois bem, o seu desejo foi concedido. 
Para a Júlia,
a Princesa dasPantufas Verdes

- Júlia! Bernardo! - grita o Grande Mestre.
- Júlia! Júlia! Bernardo! - Onde estão, gritam várias pessoas ao mesmo tempo.
- Júuuuuuuuuuliaaaah! Júlia, querida, diz-nos onde estás! - grita mãe Gália, na sua própria língua. Estava tão preocupada! Desde a tempestade de areia de há dois dias que não se sabia de Júlia, a sua única filhota. O seu coração pesava no seu peito, pois sabia que a caravana não poderia esperar mais tempo.

Quebrando o silêncio do deserto, soa um sino. Dling-dlong-dling! Era o Grande Mestre a chamar todos os trabalhadores para fazer um comunicado. Dling-dlong! De repente forma-se um círculo com todos os acrobatas, malabaristas, bailarinas, palhaços, o domador de leão, o comedor de fogo, o homem-bala, a adivinha e muitos outros trabalhadores do circo

- Muito bem, já estão todos aqui. Apesar dos nossos esforços, ainda não conseguimos encontrar o Macaco Bernardo nem a Camela Júlia. Infelizmente, não podemos ficar aqui à espera mais tempo. Temos ainda três dias de viagem até chegarmos ao destino do nosso próximo espectáculo e também não podemos ficar mais tempo parados no meio do nada, no meio do deserto, senão vamos ficar sem água e sem alimentos para nós e para os nossos animais. Toca a carregar os camelos e as carroças...Partimos daqui a duas horas.

O olhos da Mãe Gália encheram-se de lágrimas. Sabia que não podia fazer nada e que teria que seguir com o resto da caravana. Mas Mãe Gália era uma pessoa forte e sensata, por isso decidiu que se não encontrassem camela Júlia pelo caminho, regressaria para buscar a sua filhota e, com um pouco de sorte, o seu amiguinho, o Macaco Bernardo.

Duas horas depois a caravana do Circo Fantástico estava a caminho.
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A poucos metros de onde a carvana tinha estado parada, duas dunas pareciam ter ganho vida. De repente ficaram mais altas e começaram a jingar-se de um lado para o outro. Oh! Não eram dunas. Não era areia. Era uma pequena camela que depois de acordar reparou que estava completamente coberta pela areia.

Levantou-se, olhou à volta e começou a recordar-se do que tinha acontecido. Há dois sonos atrás, ela tinha-se levantado para ir fazer um xi-xi atrás de uma colina de areia e, sem nenhum pré-aviso, o vento levantou-se e ficou cada vez mais zangado. De tal modo que, mal tinha acabado de fazer o que tinha ido fazer, viu que estava enterrada e não conseguia sair sozinha. Lembrava-se de ter gritado bem alto pela mãe.

- Mãe Gália! Mãe Gália! Mas o vento era tão forte que lhe levava as palavras para o lado oposto de onde a caravana e a sua mãe estavam.

Ao princípio Camela Júlia ficou com medo e até chorou um pouco, acabou por adormecer e dormiu o sono mais longo que alguma vez dormira. Ainda abriu um pouco os olhos umas duas vezes; Uma das vezes devia de ser dia, já que conseguia ver a areia clara à volta do nariz, da outra era novamente noite, pois nem a ponta do nariz conseguia ver. Adormeceu de novo.

Dormiu até ao momento da história em que duas dunas pareciam ganhar vida. Era a camela Júlia que se tinha cansado de estar deitada debaixo da areia e começou a fazer força nas pernas para se levantar. Se calhar a gente do circo e a Mãe Gália não a tinham visto pois, certamente, alí no deserto, as duas bossas teriam parecido duas pequenas dunas.

Bom, onde íamos? Ah, é verdade, a Camela Júlia levantou-se, sacudiu-se com força e dirigiu-se para onde se lembrava que tinha deixado a caravana do circo.

- Oh, não! Mãaaaae Gáaalia! Onde está todo mundo? - gritou a pequena camela o mais alto que conseguiu.

Mas não havia nada a fazer. Não se via ninguém.

Agora confessem lá meninos e meninas. Devem estar a pensar que Camela Júlia ficou tão deseperada que se atirou ao chão a chorar baba e ranho. Estavam à espera disso não estavam? Pois fiquem a saber que nada disso se passou. Camela Júlia era uma camelita forte e esperta e lembrava-se bem do que a mãe lhe havia ensinado, «Nunca deseperes. Há sempre uma saída para a situação. Está atenta ao que se passa à tua volta e aprende com o que os mais velhos dizem.»

- É isso mesmo! Pensou Camela Júlia. O Grande Mestre disse que tinhamos que caminhar para Este; é aí que se encontra a pequena terra onde vamos montar o circo. O sol nasce sempre à nossa direita, a Este, e pôe-se à esquerda, a Oeste – lembrava-se ela também de ouvir um dia. – Bom, o sol nasceu há poucas horas, por isso se eu for em direcção ao sol, devo ir na direcção certa.
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- Júlia! … - gritou do meio do nada o Macaco Bernardo.

- Aiiiiiiiiii, que susto! - disse Camela Júlia, dando um salto para trás.

- Desculpa, amiga. Não te queria assustar, mas fiquei tão contente por te ver que nem pensei. Olha lá, onde está o resto do pessoal?

- Bernardo! Que bom ver-te. Pois, também não sei de nada. Há duas noites houve um vendaval tal que fiquei presa debaixo da areia. Nem sabes o que me custou sair de lá. E tu? Que fazes aqui sozinho?

- Sabes, como sou levezinho o vento levou-me para aqueles lados. Também fiquei desorientado durante algum tempo. Que bom ver-te. Mas, e os outros?

- Não sei. - disse Camela Júlia, limpando uma lágrima que se juntava no canto do olho. - devem ter-se ido embora. Estava agora mesmo a pensar em seguir caminho, naquela direcção. Por agora temos que ir em direcção ao Sol. À tarde começamos a mudar para nos mantermos na direcção de Este.

- Sim, bora lá. Aqui não vale a pena ficarmos parados.
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Passado algum tempo, Macaco Bernardo já estava às costas da amiga. As suas pernas eram tão curtinhas que ficavam enterradas na areia. Claro que ía demasiado lento e áquele passo de caracol nunca mais chegariam a lado nenhum.

- Ouve esta adivinha! Como é que se esconde um camelo no deserto? - pergunta o Macaco Bernardo, com o seu sentido de humor de volta.

- Não estejas com macacadas agora, não acho piada nenhuma. - respondeu Camela Júlia.

- Ha, ha, ha! É fácil – continuou o macaco, ignorando o mau humor da companheira. – enterra-se na areia e as suas bossas confundem-se com as dunas...ha, ha, ha.

-Ha-ha-ha – riu Camela Júlia, baixinho. A verdade é que era um bom esconderijo. Ela que o diga!
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Passado algum tempo a caminhar pelas colinas de areia, levantou-se novamente uma ventania que ía levando macaco Bernardo novamente pelos ares.

- Mete-te entre as bossas, Bernardo. Ficas mais protegido.

Macaco Bernardo levou algum tempo a responder. É que lhe tinha entrado areia para a boca e estava um pouco aflito.

- Chiça! Estou com fome, mas não era areia que queria comer. Agora precisava mesmo de um pouco de água para limpar a boca...e matar a sede. - disse Macaco Bernardo, um pouco aflito.

A Camela Júlia não disse nada. Estava preocupada com o seu amigo. Sabia que ela conseguiria sobreviver muito tempo sem comida e água. Afinal para que serviam as duas bossas cheias de gordura boa, senão para alimentar o corpo quando faltasse paparoca e o líquido transparente que valia ouro em terras do deserto? Sim, ela conseguiria sobreviver um tempão sem problemas, mas não o Macaco Bernardo! Ela não queria que acontecesse nada de mal ao seu amiguito, o único neste momento, pois os outros estavam em parte incerta. Teria que encontrar um cacto rapidamente. Poderia esmagá-lo com a boca e retirar um pouco de líquido lá de dentro para ajudar o amigo.

Infelizmente não havia nenhum cacto à vista. Apenas se via areia à frente, atrás e dos lados. Que aflição!
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- Bernardo! Macaco Bernardo, acorda. Olha alí à frente. Estás a ver? Há dois cactos enormes, aguenta só um pouco mais, que faltam apenas mais uns metros.

Assim que chegaram ao pé dos cactos, Camela Júlia virou o pescoço, agarrou o amigo pelos colarinhos – sim, porque Macaco Bernardo era um macaco chic que dançava no espectáculo ao som do acordeão do seu dono – e pô-lo suavemente no chão à sua frente.

Na altura em que ía abrir a boca para arrancar um pedaço do cacto, ouviu uma voz esganiçada.

- Credo! O que é que estás a fazer? Vais ficar com picos no céu na boca, rapariga!

Mas Camela Júlia não tinha tempo para perder. Tinha que espremer um pouco de líquido do cacto para a boca do Macaco Bernardo antes que lhe acontecesse algo de mal. E foi isso que aconteceu. Squish! Fsssst! e lá jorrou um fio de água do cacto para a boca seca do macaco.

- Que bem que sabe! Obrigada Júlia. Se não fosses tu teria morrido esganado de sede. - disse Macaco Bernardo com gratidão. Mas, quem é esta...?

- Olá. Sou a Mayra, um lagarto do deserto. A sua amiga é um pouco louca sabe? Arrancou esse pedaço enorme do cacto com a boca!

- Olá, eu sou Macaco Bernardo e esta é a minha amiga e salvadora, Camela Júlia. - apresentou-se Macaco Bernardo.

- Olá. Desculpa se não te falei logo, mas o meu amigo estava numa situação complicada e tinha que o ajudar o mais rapidamente possível. Não te preocupes, estás a ver a minha boca? - ao dizer isto, Camela Júlia abre bem a boca, como se estivesse no dentista.

-Okay – respondeu Lagarto Mayra, sem saber ao certo o que é que devia estar a examinar.

- Vês como a pele do meu céu da boca é grossa? É tão grossa, que os picos dos cactos não conseguem picar-me. Aliás, os cactos fazem parte da minha dieta alimentar. A minha mãe diz que nos fazem bem.

- E onde está a tua mãe? - perguntou Lagarto Mayra, mas logo se arrependeu quando viu as três estranhas pálpebras pestanudas de Camela Júlia a cerrarem lentamente com tristeza: primeiro uma depois outra e por último a última. Que estranho, pensou ela. - Ai desculpa, não queria que ficasses triste.

- Lembraste da tempestade de areia que houve há dois sonos atrás?- perguntou o Macaco Bernardo - Pois eu e Camela Júlia fomos separados do nosso grupo. Vamos em direcção a Este para tentar encontrá-los.

- Pois coragem, amigos. Vão encontrá-los com certeza. O importante é não desmotivarem...Ora bem, vou andando que ainda tenho que ir caçar o meu jantar. - dito isso, o Lagarto Mayra, virou as costas e foi em busca de algum escorpião ou cobra para levar para casa.
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Começava a cair a noite quando os dois caminhantes do deserto decidiram parar. À luz das estrelas vê-se mal o caminho a seguir. Macaco Bernardo encontrou umas ervitas secas e uma espécie de formigas para o jantar. Não era nada saboroso, mas pelo menos davam para enganar a fome. Camela Júlia tinha comido o cacto um pouco antes, por isso estava bem.

- Temos que dormir cedo para amanhã nos levantarmos com o sol. - disse a sábia Camela, tomando a liderança daquela viagem.

- Júlia? - começou o Macaco um pouco envergonhado.

- Sim?

- Achas que me posso encostar ao teu pescoço? É que as noites no deserto ficam mesmo frias. É tão estranho, durante o dia quase que não se pode andar ao sol por causa do calor...

- Sim, podes, até agradeço. Normalmente durmo encostada à minha mãe e rodeada do resto da cáfila e nunca sinto frio. Agora...

- Cáfila? Que raios é uma cáfila?

- Ó Brenardo, andas sempre tão distraído. Não te lembras de termos aprendido os grupos de animais?

- Uma cáfila é um grupo de camelos; uma capela é um grupo de macacos; uma matilha é um grupo de cães; uma manada, um conjunto de bois, búfalos e elefantes, um...

- Pronto, já entendi. - um pouco aborrecido com a aula de língua que a amiga lhe estava a dar, mas ao mesmo tempo orgulhoso por ter uma amiga tão esperta. - Sabes, Júlia, não é que não me interesse, só que às vezes há coisas tão bonitas na natureza que me distraio um pouco.

- Brrrrr! Está mesmo frio. Quem me dera que a minha mãe estivesse aqui connosco. - disse Camela Júlia baixinho.

- Não fiques triste, Júlia. Vais ver que amanhã temos sorte. Boa noite.

- Boa noite, Bernardo. Ainda bem que estás aqui comigo.

- Também acho. Já imaginaste o que teria sido de mim sozinho pelo deserto? Já teria virado bacalhau seco, com o calor que faz e a falta de água.

As gargalhadas dos dois amigos romperam o silêncio da noite. O Macaco Bernardo era mesmo engraçado. Bacalhau seco! Imaginem só a imagem que foi buscar.
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Na manhã seguinte a Camela Júlia e o Macaco Bernardo acordaram com os primeiros raios de sol. Levantaram-se devagar e espreguiçaram-se os dois de uma forma muito divertida e, como não havia nada para tomar ao pequeno almoço, partiram sem demoras em direcção ao sol.

Era cedo e os raios já estavam bem brilhantes. Demasiado brilhante. De tal forma brilhantes que o Macaco Bernardo, coitado, teve que pôr o lenço do pescoço à volta dos olhos.

- A luz das manhãs é sempre demasiado intensa para mim. - disse ele. - A ti o sol parece não afectar tanto, porque será?

- Ó Bernardo, eu sou um animal do deserto, por isso estou mais preparada para o tempo que aqui faz. Tenho a pele da boca tão dura que os picos dos cactos não conseguem romper. E já reparaste nas pestanas grossas que tenho?

- Sim, e também tens 3 pálpebras. Porquê?

- Tanto as pestanas como as pálpebras servem para não deixarem entrar areia nos olhos. Mas eu também acho que me protegem um pouco da luz do sol.

Uns minutos depois o coração de Camela Júlia começou a bater mais rápido. Piscou os olhos umas cinco vezes seguidas para ter a certeza do que estava a ver. Ao longe, conseguia ver a silhueta de um outro camelo. Mas aquele andar, ai aquele andar, era-lhe estranhamente familiar.

- Bernardo, Bernardo, rápido tira o lenço dos olhos! O que é que vês além ao fundo?

- Espera lá. O quê? Não vejo nada! O que é que querias que eu visse? - perguntou o Macaco Bernardo um pouco irritado por ter que olhar outra vez para a luz do sol. – Ai, espera, acho que sim, já estou a ver alguma coisa. É grande e parece que está a correr na nossa direcção. Acho que nos vai atacar, corre Júlia, corre!

- Não sejas tonto, Bernardo. Acalma-te lá. Acho, acho que é a minha mãe. - disse Camela Júlia, com a voz a tremer.

- Júlia! Júlia!

- Mãe! Mãe! És mesmo tu?

- Júlia! Minha menina linda! Tive tanto, tanto medo de te ter perdido.

- Ó Mãe, que saudades! Julgava que nunca mais te via. O que é que aconteceu?

Meia hora depois, a Mãe Gália já tinha contado a sua história e os jovens contaram a deles também. Que felizes que estavam todos.

- Bom, agora vamos lá despachar-nos para ver se apanhamos o resto da caravana. - disse a Mãe Gália. - A ver se os conseguimos alcançar. Atrás daquela terceira duna...

- E tem a certeza que é mesmo uma colina e não a bossa de um camelo? - perguntou o engraçadinho do Macaco Bernardo.

- Bernardo! - disseram a Mãe Gália e a Camela Júlia ao mesmo tempo.

Mas todos deram uma boa gargalhada. Era bom rir para descontrair depois da aflição que foi estarem separados uns dos outros.

- Continuando...- disse a Mãe Gália – vamos lá ter com o resto da caravana. Tenho a certeza que vamos dar uma festa antes de continuarmos caminho. Vamos lá meus amores que tudo está bem quando acaba bem.


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